O
evangelho todo, para o homem todo, para todos os homens. O movimento
da missão integral, ou teologia da missão integral, popularizado
após o Congresso Internacional de Evangelização Mundial realizado
em Lausanne, Suiça, em 1974, ganhou as ruas no Brasil somente depois
que o Pacto de Lausanne foi publicado em português, dez anos após
sua elaboração.
Desde
então a expressão missão integral ficou restrita ao debate a
respeito da relação entre evangelização e responsabilidade
social, e chegou aos nossos dias tão reduzido que qualquer igreja
que tem uma creche acredita estar “fazendo missão integral”.
Evidentemente isso é uma distorção do conceito em seus termos
originais, até porque o Pacto de Lausanne é uma síntese de muitos
outros documentos e de um riquíssimo debate teológico, pastoral e
missional que correu pela América Latina, inclusive anos antes de
Lausanne, como por exemplo no primeiro Congresso Latino-Americano de
Evangelização (CLADE I), em Bogotá, 1969, e no surgimento da
Fraternidade de Teólogos Latino-americanos (FTL), em Cochabamba,
1970.
O fato é
que missão integral se tornou um conceito atrelado a ideias como 1-
tarefa, pois é missão, e nesse sentido é menor do que o conceito
de vivência ou experiência pessoal e comunitária da fé; 2- ação
proselitista: ação que visa a conversão; 3- ação em favor dos
pobres: diaconia, projetos sociais, atuação para mudanças das
estruturas sociais; e a 4- polarização ou integração dos temas
evangelização e responsabilidade social da igreja. Em outras
palavras, o senso comum associa missão integral com evangelização
somada à ação social, com uma perspectiva reducionista, apesar de
lógica: comprometa-se com as causas da justiça social tanto para
adquirir o direito de anunciar o Evangelho quanto para dar
credibilidade às suas ações evangelísticas, pois o que importa
mesmo é a conversão das pessoas e o crescimento da igreja.
Uma
reflexão a respeito do conceito mais fundamental da teologia ou
movimento da missão integral, expresso no tema central do Pacto de
Lausanne, a saber, o evangelho todo para o homem todo, nos levará
muito além das fronteiras definidas pela relação evangelização e
responsabilidade social. . O paradigma do evangelho integral Para
quebrar o paradigma missão integral = evangelização +
responsabilidade social, proponho a substituição do termo missão
integral por evangelho integral.
Por
evangelho integral quero dizer: o evangelho aplicado a todas as
dimensões do humano . o evangelho aplicado a todas as dimensões da
vida . o evangelho aplicado a todas as dimensões das relações
humanas . o evangelho aplicado a todas as dimensões da vida em
sociedade . Observe que alguém facilmente diria que um projeto
social está relacionado com missão integral, mas dificilmente
consideraria um encontro de casais realizado num hotel 5 estrelas
como um projeto de missão integral. A organização de um centro
comunitário é imediatamente percebido como ação de missão
integral, mas um sarau com muita música e leituras de Fernando
Pessoa e Adélia Prado exigiria muita explicação para que fosse
associado à missão integral. O senso comum diria que o médico que
dedica um final de semana para trabalho voluntário numa comunidade
da periferia da cidade está fazendo missão integral, mas diria que
o mesmo médico, cobrando R$ 700,00 por uma consulta em seu
consultório, está realizando seu trabalho secular (não religioso),
ou, no máximo, ganhando dinheiro para financiar projetos de missão
integral.
É
urgente ampliarmos o horizonte de reflexão. Extrapolar os limites
definidos pelo debate evangelização/responsabilidade social e
mergulharmos nas implicações das relações sagrado/profano e
religioso/não religioso para a vivência da espiritualidade cristã
pessoal e comunitária. . Os termos sagrado e profano são amplamente
discutidos pelos teóricos das ciências da religião, como Mircea
Eliade, Émile Durkheim e Rudolf Otto. Para esses teóricos, sagrado
é basicamente aquilo que porta uma manifestação do divino ou do
transcendente, que Otto, por exemplo, chama de numinoso ou mysterium
tremendum, e Eliade considera ser de uma ordem diferente ou de uma
realidade que não pertence ao mundo natural.
Nesse
sentido, profano não está necessariamente associado a sujo,
demoníaco, diabólico ou oposto a Deus. Profano é apenas e tão
somente toda a ordem natural que não comporta uma manifestação ou
relação com o divino, sobrenatural ou transcendente. Em termos
simples, a partir de uma perspectiva religiosa cristã, considero
sagrado tudo aquilo que está de acordo com o caráter e os
propósitos de Deus ou que a Deus esteja relacionado de maneira
direta e intencional.
Profano
seria, então, aquilo que é neutro ou até mesmo está em oposição
ao que é sagrado, isto é, aquilo que não está de acordo ou não
está relacionado de maneira intencional e direta com o caráter e os
propósitos de Deus. A relação das expressões religioso/não
religioso e sagrado/profano nos remete imediatamente à compreensão
de que, assim como existe uma dimensão sagrada no espaço não
religioso, existe também uma dimensão profana no espaço religioso.
O
chamado cristão é para que todas as dimensões da vida sejam
santificadas – tornadas sagradas, isto é, desenvolvidas e
experimentadas de modo a se conformarem ao caráter e aos propósitos
de Deus. O evangelho integral é a expressão que passo a usar para
me referir ao desafio de sujeitar a Deus todas as dimensões da
existência humana.
Voltando
aos exemplos anteriores, um encontro de casais realizado num hotel 5
estrelas, um sarau com muita música e leituras de Fernando Pessoa e
Adélia Prado, e a consulta médica ao valor de R$ 700,00 podem
perfeitamente ser atividades sagradas, isto é, desenvolvidas de
acordo com o caráter e os propósitos de Deus, sendo, portanto,
vivências do evangelho integral. . O espírito da coisa A expressão
evangelho integral representa melhor o espírito de Lausanne e do
movimento da missão integral, a saber: o evangelho todo, para o
homem todo, para todos os homens.
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